Em momentos de absoluta incerteza, em que navegamos por mares desconhecidos e perigosos, há apenas duas escolhas: i) valer-se do princípio da precaução e abaixar as velas do navio; e ii) valer-se do in dúbio pró progresso, mantendo as velas estiadas. A primeira alternativa opta por ir devagar, garantindo a segurança de todos, cientes que logo ali, teremos um período de bonança. A segunda alternativa tem como princípio de não haver tempo a perder, afinal, tempo é dinheiro, e sacrifícios são necessários. Basicamente, dentro dessas escolhas, se encontram o falso dilema entre economia e saúde na atual conjuntura de pandemia, dado o Covid-19.
Bons capitães geralmente optam pelo princípio da precaução, afinal, não querem deixar toda a sua tripulação dentro de um cenário de perigo a vida. No momento em que percebemos que vários países começam a flexibilizar o isolamento devido melhoras em seus resultados, no Brasil, se pretende abrir a economia, baseado na segunda opção (in dúbio pró progresso), no momento em que há uma clara ampliação de contágio e mortes.
O in dúbio pró progresso consiste no erro crasso, dentro do capitalismo moderno, de julgar a economia como a soberana de tudo, dentro do mito do crescimento infinito, sendo que os recursos naturais são finitos. A conceituação de progresso é algo impossível de precisar, pois ao tentarmos, podemos descontruir o alvo. De toda forma, devemos resgatar Theodor Adorno, pois o progresso, no geral, refere-se “na insistência naquele tabu, em proveito da unidade do eu dominador da natureza, ressoa a voz do progresso ofuscado e irrefletido”.
Nesse sentido, percebemos que o executivo federal, na voz do seu líder, Jair Messias Bolsonaro, vem tratando a pandemia, desde o seu início, como algo supérfluo, com uma visão ofuscada e irrefletida da realidade. Caminhamos na contramão do mundo, com as velas estiadas, dentro de um contexto de tempestade, criando uma situação de caos. Esse caos, parafraseando Chico Science, se transformará em lama, de forma desorganizada, buscando uma organização que não existirá.
Dentro desse cenário, do caos a lama, os que ficarem para trás são apenas sacrifícios necessários para se garantir o progresso, o crescimento econômico. Percebemos dentro do caos, políticos e gestores públicos, da esquerda e da direita, saqueando as riquezas nacionais, de forma organizada, e que, apesar do discurso, a presidência criou a MP 966/2020. Essa medida provisória (MP) flexibiliza a responsabilidade dos agentes públicos com relação aos gastos com a pandemia da covid-19. É mole?
Percebemos que devido a inação do Estado, há nesse momento a necessidade de flexibilizar as medidas de isolamento social. Poderíamos fazer isso, como outros países, dentro de um cenário de melhora do quadro, mas não, para se chegar ao sonhado progresso, apenas as velas não bastam, todos devem remar contra a correnteza e tempestade, que derrubará boa parte da tripulação. A sorte foi lançada, pois não há comando, não há planejamento, não há direção, estamos à deriva, sem visão, tateando na escuridão.
Para piorar, a flexibilização irá acontecer, criando uma falsa sensação de normalidade, ampliando o contágio, deixando o já fragilizado Sistema Único de Saúde (SUS) em colapso, forçando os políticos a retornarem ao isolamento social, piorando substancialmente o emprego e renda no país.
Houve tempo, o Estado já deveria ter se preparado, mas tudo foi negado, afinal, essa “gripezinha” passa rápido. Caso fosse adotado a primeira alternativa, o princípio da precaução, nesse momento já haveria condições para uma flexibilização gradual, pois com o SUS fortalecido, ampliaria a capacidade de suporte no atendimento dos infectados, com o retorno das atividades econômicas, pautado na segurança da tripulação.
Pela opção do caos nos cabe contar quantos corpos estarão na lama. Boa sorte, Brasil!