“Tendo o homem expandindo seus poderes biológicos através da produção de artefatos industriais, ele se tornou, ipso facto, não apenas dependente de uma fonte muito escassa de suporte a vida, mas também viciado nos luxos industriais.”
(Georgescu-Roegen, 1993, p. 86)
O Brasil vem perdendo espaço no cenário mundial, que já fomos protagonistas, quando o assunto é o meio ambiente. É inegável que há um amplo e latente retrocesso ambiental, promovido pelo Ministério do Meio Ambiente, por meio do ministro Ricardo Salles. Tudo teve início quando o governo do atual presidente, Jair Messias Bolsonaro, afirmou que não haveria o Ministério do Meio Ambiente, sendo que esse seria integrado ao Ministério da Agricultura, voltando atrás devido as mais diversas pressões internas e externas. Ao anunciar o novo ministro, sendo em seguida repudiado por diversas entidades ambientais e científicas, o então presidente afirma a um dos seus asseclas: “acertamos”.
O objetivo desse texto não consiste em relatar os mais diversos retrocessos na pasta, pois já existem várias publicações nesse sentido, de pessoas muito mais competentes. Sendo assim, o objetivo versa em compreendermos, dentro da linha da Economia Ecológica, como o ambiente natural deve ser avaliado, valendo de um dos precursores dessa linha, Kennedy Boulding (1910-1993), e sua Economia do Cowboy e Astronauta. Para fazer o link com o autor, nos valeremos da música Geni e o Zepelim de Chico Buarque, afinal, em tempos de pandemia é possível encontrar na arte e cultura reflexões para problemas complexos.
A economia do cowboy é associada ao comportamento imprudente, explorador e violento, que são características das sociedades abertas em termos entrópicos (matéria e energia). A sociedade aberta deve ser compreendida como aquela em que não há limites, tornando possível explorar o máximo, sem perdas ecossistêmicas, ou seja, é um sistema aberto. Já a economia do astronauta compreende que há limites na sociedade, fazendo ela se tornar fechada, ou seja, o planeta como um sistema fechado. Considera o Planeta Terra uma nave espacial, com recursos limitados, sendo que seus tripulantes necessitam utilizar sabiamente os recursos, por não haver um local para de pouso, e reabastecimento. O primeiro pensamento é o que justificaria um crescimento econômico infinito, uma busca por um progresso errôneo, pois, esses fluxos desconsideram totalmente que o planeta Terra é um sistema fechado, e o seu crescimento não ocorre no vazio. O segundo pensamento compreende a finitude dos recursos naturais, utilizando-os com sabedoria, atrelado às noções de abundância e distribuição, com equidade intergeracional.
Em outras palavras, a contribuição de Kennedy Boulding para o debate econômico consiste na constatação da impossibilidade de um crescimento infinito, dentro de um planeta finito. Aqueles que acreditam em sua possibilidade (crescimento infinito), são classificados dentro da economia do cowboy (modelos convencionais), já os que compreendem essa finitude, estão dispostos na economia do astronauta (modelos ecológicos).
Ao pensarmos na letra da música Geni e o Zepelim, se alocarmos a “Geni” como o ambiente natural, por dentro da hipótese da Gaia, de James Lovelock, a letra continua a fazer sentido. Isso se dá devido a sociedade apresentar desdém para com a “Geni”, representado pelos mais diversos abusos. “Ela é um poço de bondade, e é por isso que a cidade, vive sempre a repetir: joga pedra na Geni”.
Esse comportamento humano está totalmente associado a sociedades bárbaras, não civilizadas, em que as funções e serviços ecossistêmicos, tão importantes para a vida como conhecemos são desconsideradas. Apresenta um significado de indiferença, de execração pública, por meio de políticas que a desconsideram em absoluto a natureza, pois o cowboy é um ser totalmente insensato. Parece que vivemos nesse momento, visto que para os agentes políticos, o ambiente natural é um meio, um recurso abundante, infinito. Nessa perspectiva, a natureza deve ser possuída para atender as necessidades dos seres humanos, pois, são as pessoas os senhores de todas as coisas, no sentido positivista.
Não à toa, ao apresentar entre as nuvens um Zepelim gigante, o seu comandante, após perceber horror e iniquidade da sociedade, havia resolvido tudo explodir. Todavia, mudou de ideia ao perceber as belezas de “Geni”, solicitando a sociedade para que “aquela formosa dama, nessa noite lhe servir”. Esse é um momento chave, afinal, a depender da forma como as presentes gerações utilizarem as funções e serviços ecossistêmicos, o ambiente natural (Geni) não terá tantas belezas, sendo incapaz de servir qualquer ser vivo. Nada adiantará, nem atos religiosos, nem o dinheiro, nem os suplícios, “tão sinceros, tão sentidos”, resolverá este problema, afinal, existe uma capacidade de suporte, carecendo de longos períodos de resiliência. Pode não haver tempo para salvação, formas de redimir, visto que essa benção é tratada como maldição.
Entretanto, apesar desse cenário caótico, o otimismo é um ponto que merece ser ressaltado, mas deve ser aliado ao ceticismo da razão. A Geni se entrega ao seu carrasco, mesmo contra sua vontade, pois “preferia amar com os bichos”. A atitude em sequência com relação ao comandante nos lembra os cowboys de outrora, realizando um ato de brutal violência, uma selvageria sem fim, uma verdadeira barbárie.
O ambiente natural vem passando pelos mais diversos abusos, de forma violenta, vejamos: desmatamento, agrotóxicos, poluição do solo, água e ar, disposição de resíduos e rejeitos de forma inadequadas, desperdícios de alimentos, sofrimento animal, ameaças da biodiversidade, mudanças climáticas, entre outros. Toda selvageria é incompatível com a economia do astronauta, afinal, conhecendo e reconhecendo os fluxos entrópicos das atividades humanas na natureza, oferece tempo para um suspiro, um tempo para a sua devida resiliência do ambiente natural.
A relação homem-natureza deve ser compreendida por um filtro histórico, com uma contextualização temporal-espacial, devido a ocupação do homem nos mais diversos territórios. Com a globalização as pessoas no planeta se tornam unificadas, conectadas, visto que os mais diversos vírus circulam livremente no espaço. No momento em que o homem, por meio de suas ações, desequilibra o ambiente natural, os sistemas naturais buscarão entrar em equilíbrio, e os métodos podem ser cruéis aos seres humanos. Não adianta tacar pedra, pois o ambiente natural estava aqui antes dos humanos e estará depois, cabendo a nós administrar os recursos escassos dessa nave espacial. As opções estão dadas, ou caminhamos para a barbárie (economia do cowboy), ou nos tornamos uma sociedade civilizada (economia do astronauta).
Referências
BOULDING, K. E. The economics of the coming spaceship earth. In: DALY, H. E.; TOWNSEND, K. N. Valuing the Earth: economics, ecology, ethics. Massachusetts: The MIT Press Cambridge, 1993. p. 297-309.
LOVELOCK, James. Gaia: um novo olhar sobre a vida na Terra. Lisboa: Edições 70, 1987.
GEORGESCU-ROEGEN, N. The Entropy Law & the economic problem. In: DALY, H. E.; TOWNSEND, K. N. Valuing the Earth: economics, ecology, ethics. Massachusetts: The MIT Press Cambridge, 1993. p. 75-88.
* Esse texto é uma singela homenagem ao meu amigo, José Augusto Ferreira Tavares (1967-2020), vítima do desequilíbrio ecossistêmico desse século, amante da natureza, da arte e cultura, boêmio, capaz de proporcionar sorrisos em todos à sua volta.