Por Camila Gusmão e Jussara Alves
Rondon do Pará já registrou até ontem, 27 de agosto, 508 casos confirmados do Covid-19, segundo boletim da Secretaria Municipal de Saúde. Deles, 30 pessoas vieram a óbito e 448 estão recuperados. O número de contaminados tem se mantido em curva crescente, assim como os óbitos. Somente no mês de julho foram registrados 13 falecimentos em decorrência do Covid-19, o que corresponde quase ao número total de óbitos registrados nos meses de abril, maio e junho, que é 15. Em agosto, até o momento, foram 2 óbitos.
Esse aumento no número de óbitos pode ser consequência da retomada da economia no município que aconteceu no dia 22 de junho, a partir do decreto municipal Nº 087/2020 que permitiu o funcionamento do comércio em horário integral e autorizou a reabertura de igrejas, academias, bares e restaurantes. Para a professora da Unifesspa e especialista em bioestatística, Ana Campos, que faz o monitoramento epidemiológico da Covid-19 desde o início da pandemia, a taxa de isolamento social monitorada pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará – Segup mostra que após a flexibilização das atividades econômicas no município o índice de isolamento social caiu, ao mesmo tempo que a quantidade de casos cresceu consideravelmente. “A partir do mês de junho, quando a taxa de isolamento caiu bruscamente, percebemos o aumento brusco e abrupto do número de casos confirmados por dia e o mesmo acontece com o número de óbitos”. Segundo a professora, a partir do dia 20 de maio o número de casos do município aumentou rapidamente, registrando mais casos por dia, o que resultou em 14 vezes mais casos em um mês, e apontou uma maior disseminação do vírus. Já em relação aos óbitos, houve um crescimento significativo em comparação a quantidade de novos casos. “Apenas no final do mês de julho podemos observar uma desaceleração no registro do número de óbitos e uma manutenção de cada vez mais casos confirmados/registrados no município de Rondon do Pará”, afirma.
O prefeito Arnaldo Rocha informou, por meio de sua assessoria de comunicação, que a flexibilização das medidas não está associada ao número de óbitos que o município registra porque a maior parte do contágio ocorreu no período em que ainda haviam as restrições. Segundo o prefeito, as mudanças aconteceram de forma organizada e de acordo com a avaliação da Vigilância Epidemiológica do município, baseada em estudos, orientações técnicas sanitárias e econômicas. Além disso, outro fator apontado pelo prefeito em relação aos dados, é que o aumento de casos graves e óbitos têm ocorrido por causa do preconceito existente na busca por atendimento, por isso orienta que a população procure ajuda logo no início dos sintomas. “As pessoas precisam se conscientizar do momento que vivemos, fazer a sua parte, evitar saídas desnecessárias, encontros de amigos, usar máscara, escolher horários de menor aglomeração em agências bancárias, que é um dos maiores problemas devido o auxílio emergencial, e etc.”
Medo e negação da doença
Além do medo em procurar o atendimento médico, muitas pessoas não acreditam na gravidade do vírus ou têm dificuldade em aceitar que estão contaminadas para não admitir a realidade e se colocar no lugar de doente. A psicóloga Neyla Barreto alerta que a Covid-19 é uma doença nova e que cada organismo reage de uma forma diferente, por esse motivo é fundamental ter um tratamento precoce e individualizado para diminuir o risco de evoluir ao estágio mais grave. De acordo com a psicóloga, é necessário buscar atendimento imediatamente e não ter medo de ir ao hospital ou na Unidade de Referência, porque são locais que estão tomando as medidas de cuidado para evitar o contágio. “Se alguma pessoa sentir os sintomas, precisa procurar ajuda porque a doença não vai embora independente dela ir no médico ou não”. Neyla fala como psicóloga mas também com a experiência de quem contraiu a Covid-19 juntamente com o marido. Fagner Barreto possivelmente se infectou no trabalho, já que é enfermeiro do SAMU e tem contato com pessoas suspeitas de estarem com o novo coronavírus. No primeiro dia com os sintomas a psicóloga já recebeu suporte de medicamentos e acompanhamento médico, porém no terceiro dia piorou e foi pra emergência do Hospital Municipal. Um exame de raio-x indicou comprometimento pulmonar, mas não precisou ficar internada. “Eu fiquei com falta de ar, a minha pressão baixou, pensei que fosse ficar grave mas graças a Deus a medicação fez efeito e estamos reagindo bem”, comenta Neyla.
A doença também pode afetar psicologicamente as pessoas pelas incertezas na evolução dos sintomas. Pelo fato de ser psicóloga, Neyla soube lidar melhor com as questões emocionais e conseguiu controlar a ansiedade. Mas, segundo ela, é preciso criar estratégias para conviver com o vírus e saber diferenciar o que é emocional do que é físico. “Precisa trabalhar o seu emocional para entender se o que você está sentindo é porque talvez esteja com medo, nervoso, ou porque, independente do medo e do nervosismo, você está sentindo isso realmente. É preciso ter paciência, tentar se ocupar de formas positivas, fazendo o que gosta, coisas que te dão prazer e fazem desfocar a sua mente do que você tá sentindo, são as dicas que eu dou pra quem está com possibilidade de Covid-19”.
Contaminação e sintomas
O marido da professora do município Kelly Ladeia foi o primeiro da família a apresentar os sintomas da Covid-19. O sinal de que podia estar infectado foi uma dor no corpo, até pensou que fosse outro problema, mas o quadro se agravou e o médico confirmou que os sintomas eram de coronavírus. Fizeram o exame e com dez dias chegou o resultado positivo. Apesar de não saber como o marido pegou o vírus, porque ele estava afastado em sua propriedade rural e não teve contato com nenhum infectado, desconfia que pode ter se contaminado em uma das três oficinas em que esteve. Embora tenha apresentado sintomas moderados, não foi preciso interná-lo. “Ele teve dias de fraqueza, que não conseguia andar, sentia muita falta de ar, dor de cabeça. Dor no corpo ele ficava de não mexer o corpo. E o olfato e paladar levaram oito dias pra voltar”, comenta. Alguns dias depois Kelly também adoeceu de Covid-19, começou a sentir dor no corpo, incômodo na garganta, febre, perda de olfato e paladar. Teve certeza que estava com o vírus já que, além de apresentar os sintomas, estava em contato com o marido infectado. Mesmo após tomar toda a medicação indicada pelo médico, as dores continuaram. “Eu ainda estava com os sintomas, que era a dor no corpo e a dor de cabeça. Aí começou uma dor no nariz, e a medicação tinha acabado. Com 10 dias eu comecei a sentir uma dor nas costas muito grande, quando fiz o raio-x foi constatada pneumonia”, relata. O primeiro teste rápido deu negativo, apesar de apresentar todos os sinais de Covid-19, mas o médico que estava acompanhando o caso afirmou que se tratava de um falso negativo. Já o segundo teste, realizado com três semanas após o surgimento dos sintomas, deu positivo e apontou que ainda estava transmitindo o vírus. Kelly ficou 48 dias isolada em casa até que pudesse sair com segurança, sem o risco contaminar outras pessoas. “Por isso que esse vírus se propaga tanto, tem gente que só fica 15 dias dentro de casa mas pode continuar contaminando. Como o município não testa, não é todo mundo que tem dinheiro para fazer um teste.”
A estudante de Administração e recepcionista em uma clínica de estética, Lara Santos, também relata que as quatro pessoas da sua família – incluindo ela, foram contaminadas pelo coronavírus. A primeira a manifestar os sintomas foi sua mãe, que pegou Covid-19 no trabalho. “Ela ficou sem paladar, sem olfato. Já eu, meu pai e meu irmão tivemos sintomas mais leves. Tivemos febre, dor de cabeça, dor na garganta”. A família de Lara buscou atendimento médico imediatamente, na rede particular, e recebeu monitoramento por telefone. Todos ficaram isolados em casa durante 24 dias, por orientação médica, porque segundo ela, mesmo após o desaparecimento dos sintomas ou dos 15 dias recomendados ainda podiam estar contaminando outras pessoas. “Depois o médico liberou pra voltarmos a vida normal, trabalho. Porém com o mesmo cuidado, usando máscara e evitando aglomeração’’.
Já os primeiros sintomas que o microempreendedor Fagner da Rocha, de 41 anos, sentiu foram febre e dor no corpo, depois veio a tosse seca. Quando conversou com a nossa reportagem estava isolado no quarto da sua casa, sem contato com a família. Ele não pode parar de trabalhar durante a pandemia mas conta que tomava todos os cuidados possíveis. “Foi uma surpresa. Eu achava que estava me cuidando bem. Mas alguma brecha deixei passar despercebido”. Nos primeiros sintomas ele procurou o posto de referência que o mandou fazer repouso em casa e se automonitorar. Sem melhora, procurou um tratamento mais intensivo no hospital particular. Fez vários exames em Marabá, incluindo uma tomografia do tórax para saber a evolução do vírus no pulmão. Sua recuperação está sendo satisfatória e na casa dele ninguém apresentou sintomas.
Realidade dos pacientes internados por coronavírus
O hospital municipal de Rondon do Pará possui pouca estrutura para atender a população, por isso os pacientes com complicações de Covid-19 geralmente são transferidos para o hospital de campanha em Marabá, a 140 quilômetros de distância. No dia 13 de julho, Jacir Almeida presenciou essa situação ao acompanhar um amigo para ter notícias do pai, de 82 anos, que estava internado há cinco dias no hospital de campanha. Apesar da idade, o pai de seu amigo tinha uma boa saúde até descobrir que estava com coronavírus. Os primeiros sintomas foram dor de cabeça e fraqueza, depois de dois dias foi levado para o hospital municipal de Rondon e logo em seguida transferido para o hospital de campanha em Marabá. Foi a última vez que viu alguém da família, porque no hospital não é permitida a entrada de visitas, acompanhantes ou celular, como relata Almeida. O estado de saúde foi se agravando e não resistiu, faleceu no dia 13 de julho, pouco mais de uma semana desde a internação. Almeida comenta que o amigo só recebia notícias do pai por telefone, uma vez ao dia, quando os funcionários do hospital entravam em contato com a família. Na última ligação pediram que fossem até Marabá para ter mais informações. “Chegando lá, encaminharam logo para a assistente social e eu já suspeitei de algo. Aí depois de uma hora, mais ou menos, a médica apareceu para falar o que aconteceu, que vieram lutando com ele mas não melhorou e faleceu”. Jacir Almeida viu de perto as dificuldades enfrentadas pelos familiares e pacientes infectados, presenciou pessoas na porta do hospital em busca de informações, mas sem poder entrar para visitar seus parentes. “Ninguém consegue ter acesso dentro do hospital para saber o que está acontecendo, tem que confiar nos médicos que estão lá”. Almeida comenta que a história do seu amigo se repetiu, enquanto estava no hospital de campanha, ao ver outro morador de Rondon chegando sozinho no hospital – acompanhado apenas por profissionais de saúde que foram levá-lo: George, de 79 anos, que faleceu no dia 17 de julho, quatro dias depois de ser internado. “Ele passou do meu lado, bem fragilizado, direto pra dentro. Ali é o hospital de campanha, só que você não sabe como está a situação lá, o que que está acontecendo, se tem ventilador pra todo mundo – o ventilador mecânico, se estão conseguindo entubar todos que precisam”.
Família denuncia Secretaria de Saúde
No dia 27 de julho a comunicadora Júlia Freitas protocolou no Ministério Público uma queixa com pedido de providências, alegando que a Secretaria de Saúde não forneceu assistência necessária para a sua família. A comunicadora relata que tudo começou quando o seu irmão, que faz hemodiálise três vezes por semana em Ulianópolis, cidade que fica a aproximadamente 150 quilômetros de Rondon, estava sendo transportado em um veículo com pessoas suspeitas de estarem contaminadas por Covid-19. Segundo Júlia, o hospital de Ulianópolis pediu que a Secretaria de Saúde de Rondon fizesse a testagem dos pacientes, mas o pedido só foi atendido quando ela ameaçou fazer uma denúncia no Ministério Público. O teste do seu irmão deu negativo, mas na mesma noite teve que ser levado com urgência de Rondon para Ulianópolis porque estava com sintomas graves de Covid-19. Ao mesmo tempo, a mãe de Júlia Freitas, de 78 anos, também apresentou os sintomas do novo coronavírus e foi internada no hospital São José. A família fez a solicitação de uma ambulância para levá-la até Marabá para fazer exames, mas não foi atendida. “Houve dificuldade da parte do hospital municipal, não responderam, levei minha mãe num carro particular”, relata. Júlia afirma que conseguiu uma vaga em um hospital de Marabá e novamente solicitou o suporte da Secretaria de Saúde para o transporte de sua mãe, mas o pedido não foi atendido e ela teve que procurar ajuda com conhecidos que a levaram em uma caminhonete. Após seis dias internada no hospital municipal de Marabá foi transferida para o Hospital Regional onde passou mais cinco dias, mas não resistiu e veio a óbito no dia 24 de julho. “Eu perdi a minha mãe para a Covid, mas eu perdi a minha mãe também por negligência, porque eu busquei, porque eu lutei de todos os meios para que os renais fossem testados. O meu irmão contaminou a minha mãe, a minha mãe morreu por negligência. Essa é a palavra. Negligência, omissão”, declara.
Em nota, publicada no dia 29 de julho, a Secretaria Municipal de Saúde de Rondon do Pará informou que realizou a testagem dos pacientes renais crônicos no dia 26 de junho, sem que houvesse interferência judicial. Na nota de esclarecimento a Secretaria afirma ter atendido imediatamente todas as solicitações de Júlia Freitas nas vezes em que foi acionada, e forneceu medicamentos, ajuda de custo e transportes para a família. Além disso, declara que não houve pedido de ambulância ao serviço de transporte da Secretaria.
As fiscalizações
Durante a pandemia, o departamento de Vigilância Sanitária, que atuava 24 horas por dia, realizou até julho 189 recomendações, 333 notificações, além de 450 visitas técnicas. De acordo com a diretora do departamento, Márcia Larceda, as notificações referentes a aglomerações são registradas mais no período noturno. “Quando recebemos a denúncia, geralmente no dia seguinte, vamos ao local conversar com os responsáveis para tomarem as medidas e proibir as aglomerações”.
Serviço das funerárias
De acordo com Kleber Romero, empresário no ramo das funerárias, os protocolos para óbitos de Covid-19 estão sendo seguidos para preservar a saúde dos funcionários. Os enterros estão acontecendo de maneira rápida, sem o velório. “ Os corpos devem estar devidamente embalados para os funcionários terem acesso ao cadáver e colocar na urna e levar diretamente para o cemitério. Estamos seguindo os protocolos da Anvisa”.
De acordo com o protocolo, o cadáver contaminado não pode receber qualquer tipo de tratamento de higienização. “Ele sai diretamente do hospital já embalado para o cemitério, não importa o horário, desde que o cemitério esteja disponível para receber esse cadáver. Quando é na madrugada não tem como, e aí fica no hospital, mas no primeiro horário do dia já é encaminhado para sepultura”, diz Romero.
Os profissionais das funerárias têm passado por acompanhamento psicológico devido à situação que pode abalar psicologicamente. “Na minha empresa temos um apoio psicológico, conversando com os funcionários, porque não é fácil. A gente absorve muito essa tristeza, pois também temos família e ver isso é muito triste pois são vidas que estão sendo ceifadas por um vírus desconhecido e realmente não poder dá um apoio naquele momento de dor”, comenta Romero.