Por Luciene Ferreira
Nos últimos anos, a adolescência tem sido objeto de crescente atenção por parte de estudiosos, profissionais de saúde e formuladores de políticas públicas. Esse período da vida, repleto de desafios e descobertas, representa uma fase crucial no desenvolvimento físico, emocional e social dos jovens. Entre os muitos aspectos que afetam essa faixa etária, a gravidez na adolescência se destaca como uma questão de grande relevância, não apenas por seu impacto na saúde e bem-estar das jovens mães, mas também por suas implicações sociais e econômicas. Ao redor do mundo, e particularmente no Brasil, a gravidez precoce tem gerado preocupações e mobilizado esforços para entender e mitigar seus efeitos. Conforme cita o Ministério da Cidadania (2024), na adolescência, “compreendida entre 10 e 19 anos de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS)”, “aqui no país, um em cada cinco bebês nasce de uma mãe com idade entre 10 e 19 anos”.
No Brasil, a realidade é particularmente alarmante, evidenciando uma situação que vai além das médias globais e que exige atenção redobrada das políticas públicas e da sociedade. “A taxa de nascimentos de crianças filhas de mães entre 15 e 19 anos é 50% maior do que a média mundial — a taxa mundial é estimada em 46 nascimentos por cada 1 mil meninas, enquanto no Brasil estão estimadas 68,4 gestações nesta fase da vida”. (Ministério da Cidadania, 2024).
Quando os números são analisados mais de perto, revelam uma realidade ainda mais alarmante entre crianças e adolescentes mais jovens, destacando disparidades regionais que exigem atenção urgente e ações específicas, a exemplo do “recorte de crianças e adolescentes entre 10 e 14 anos. Em 2020, foram registradas 17,5 mil mães nesta idade. Na última década, a Região Nordeste foi a que mais teve casos de gravidez com este perfil: foram 61,2 mil, seguido pelo Sudeste, com 42,8 mil”. (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, 2024).
Segundo os dados do IBGE (2024), no município de Rondon do Pará, nos últimos dois anos, de 2022 a 2024, nasceram 516 crianças, sendo 5 crianças de mães menores de 15 anos e 126 de mães de 15 a 19 anos.
A gravidez chegou, e agora?
A saúde materna é um dos pilares fundamentais para o desenvolvimento de uma sociedade saudável, e o acompanhamento pré-natal desempenha um papel importante nesse processo. Durante a gestação, o pré-natal monitora o bem-estar da mãe e do bebê, permite a identificação precoce de possíveis complicações e garante que intervenções necessárias possam ser realizadas a tempo. O número e a frequência dessas consultas são cuidadosamente recomendados por especialistas para maximizar a segurança de ambos, refletindo a importância de um cuidado contínuo e atento ao longo de toda a gravidez. “Ginecologistas recomendam que sejam feitas 13 consultas ao todo, com a frequência aumentando no final da gravidez”. (NEXO JORNAL, 2024).
Acesse abaixo caderneta da gestante:
Ana Silva (nome fictício para preservar sua identidade), uma adolescente de 18 anos que engravidou aos 17, que deu à luz recentemente a uma menina, conta sua história de como sua vida mudou drasticamente após uma única relação sexual sem preservativo. O corpo e as emoções estavam avisando algo diferente, foi aí que percebeu que algo estava errado. Depois de dois exames de farmácia foi o que a convenceu que realmente estava carregando um filho na barriga.
Emocionada e com lágrimas nos olhos, Ana Silva relata que não queria acreditar que era verdade. Contar aos pais foi um grande pesadelo. Mesmo com medo e sem coragem, teve que encarar a situação. Sua maior preocupação era o quanto iria magoá-los, mas não dava mais para esconder. Sua mãe já estava desconfiada, e Ana estava com seis meses de gestação.
Ela descreve que não foi fácil sentir na pele a frustração do pai, mas não tinha como voltar atrás. “Agora é assumir e seja o que Deus quiser”, relata Ana.
Com a chegada da filha, que agora está com dois meses de vida, a família teve que adaptar o quarto para acomodar a bebê. Ana Silva, por sua vez, está lidando com noites mal dormidas e aprendendo a ser mãe, apesar de não estar preparada para a responsabilidade da maternidade. A jovem enfrenta os desafios da nova rotina enquanto tenta equilibrar seus sonhos e responsabilidades.
Questionada sobre a presença do pai da criança, ela afirma que tem recebido apoio. Estudos mostram que a paternidade gera um período de transformações, uma vez que o pai assume papel significativo advindo de mudanças e readaptações para estabelecer novos papéis de responsabilidade. Implica não apenas a questão de transformações, mas também uma questão social, que deve ser analisada e compreendida, pois determina novos projetos no cotidiano de vida.
Vale ressaltar a importância da participação do pai da criança. Em conformidade com a definição proposta pela OMS para adolescentes, Reis (1997) definiu como paternidade adolescente o fato de um indivíduo tornar-se pai antes de completar 20 anos de idade, ressaltando a interdependência etária da parceira envolvida na reprodução. Ele evidenciou que “[esta] definição deixa de lado considerações a respeito do relativismo social, cultural, étnico e psicológico da ideia geral de paternidade”.
Convém estimular o pai adolescente a comparecer aos serviços de saúde, tanto no pré-natal como no planejamento familiar, de modo a melhorar a atenção à saúde reprodutiva e à paternidade responsável, pois com certeza reduzirá a reincidência da gestação nesta faixa etária.(11,12).
Quanto à escola, ela continua assistindo às aulas e, quando necessário, leva a criança para a escola, como ela diz: “brincando de boneca viva”, e adaptando a maternidade sem estar preparada.
Questionada sobre o futuro, ela pretende “estudar para dar um futuro melhor para filha. Não posso trabalhar, só estudar, e depender só do meu pai é ruim”.
Perguntei qual conselho ela teria para as jovens adolescentes, ela disse: “para as jovens se prevenir, se cuidar, além da gravidez ainda podem vir as doenças.” ´
Para a mãe de Ana Silva, que prefere não se identificar, a história se repetiu. Ela também engravidou na adolescência, aos 14 anos, mas logo contou para a mãe. Quando a filha nasceu, foi morar com o pai e estão juntos até hoje.
Ao receber a notícia da gravidez da filha, levou um choque. Ela nunca imaginou que a filha engravidaria antes do tempo, pois levava uma vida tranquila. A pergunta que não quis calar foi: dois adolescentes, e agora, o que fazer?
Como mãe, ela disse que não ia virar as costas para a filha. Correu atrás do pré-natal e procurou meios de ajudar, mesmo decepcionada. Agora era enfrentar as consequências. Mesmo sendo julgada e discriminada, ela tem dado apoio e acolhimento à filha com o bebê.
Questionada sobre apoio, limites e responsabilidades, ela afirma: “Eu ajudo, mas a responsabilidade deixo com ela, para amadurecer como eu amadureci, pra ela ainda está sendo até bom, tem eu e a outra avó ajudando, mas ela tem agora uma responsabilidade para o resto da vida’.
Em decisão conjunta entre as avós, decidiram pela guarda compartilhada para não prejudicar os estudos dos filhos, pois foi a forma que encontraram para nova realidade. “O pior já passou, agora só cuidados e alegrias com a nova filha que ganhamos para cuidar”. afirma Maria da Silva, avó materna.
Durante uma entrevista por aplicativo, a enfermeira Tarcília Barbieri, que atua na Unidade de Saúde da Família (USF) do bairro Gusmão, destacou que a gravidez na adolescência continua a trazer impactos físicos, psicológicos e sociais consideráveis. “Entre as principais complicações estão o aborto, parto prematuro, anemia e infecção urinária, além de um maior risco de mortalidade materna e infantil”, afirma. Tarcília também ressaltou que as adolescentes grávidas apresentam uma maior propensão à depressão, tanto durante a gestação quanto no período pós-parto.
Quando questionada sobre o que o município oferece às adolescentes grávidas e no período pós-parto, Tarcília explica que são disponibilizados acompanhamento de puericultura, acompanhamento no puerpério, orientações, e, caso seja detectada alguma anormalidade, a rede e a equipe multiprofissional são acionadas para fornecer suporte. “A principal rede de apoio são os pais, que, na maioria das vezes, também engravidaram na adolescência”, relata.
Para a prevenção, o município oferece o Programa Saúde na Escola (PSE), que já faz parte dos temas pactuados. Preservativos são distribuídos nas unidades básicas, e não é necessário estar acompanhado do pai ou responsável, já que a presença do responsável pode intimidar os adolescentes, afirmou Tarcília.
Escola x Vida Real
A Escola de Ensino Médio Dr. Dionizio Bentes de Carvalho de Rondon do Pará entendeu a importância dessa causa. Fátima Braga, diretora da escola, que conta com 1340 alunos matriculados, diz que, devido ao número expressivo de grávidas na escola, transformaram um depósito em uma sala para a psicóloga Steffani Moraes, que também é ex-aluna da escola.
Ela relata que, ao perceber as mudanças dessas alunas no pátio, elas são acolhidas e direcionadas para a psicóloga para receber apoio psicológico, orientação para os próximos passos, como procurar o médico para o pré-natal, e atendimento emocional, pois tudo isso traz uma transformação muito grande na vida dessas meninas, que chamamos de meninas porque não são adultas.
Ela acrescenta que, quando uma aluna detecta a gravidez, o que mais acontece é a baixa frequência, o rendimento escolar afetado, além das dificuldades da rotina escolar. Ao levar o filho para a escola, há a dificuldade de adaptação desse bebê. “Não temos um berçário, mas é um sonho meu de muitos anos, ter um berçário para acolher essas crianças com um pedagogo, um espaço de acolhimento e educativo”, declara Fátima.
Direitos da gestante em período escolar
No Brasil, a Lei nº 6.202/1975 “garante à estudante grávida o direito à licença maternidade sem prejuízo do período escolar” (Constituição Federal, 1988). Assim, “A partir do oitavo mês de gestação, a gestante estudante poderá cumprir os compromissos escolares em casa, de acordo com o Decreto-Lei nº 1.044/1969”. Além disso, “o início e o fim do período de afastamento serão determinados por atestado médico a ser apresentado à direção da escola. E, finalmente, é assegurado às estudantes grávidas o direito à prestação dos exames finais”. Confira mais direitos na Caderneta da Gestante.
Riscos da gravidez precoce
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a gestação precoce está associada a um aumento significativo nas complicações para a mãe, o feto e o recém-nascido, além de perpetuar ou agravar problemas sociais e econômicos preexistentes. “As adolescentes gestantes enfrentam um maior risco de mortalidade materna, enquanto os recém-nascidos estão mais suscetíveis a anomalias graves, problemas congênitos ou traumatismos durante o parto, como asfixia e paralisia cerebral” (Ministério da Saúde, 2024).
- Riscos associados à gravidez na adolescência, tanto para a mãe quanto para o recém-nascido, segundo o Ministério da Saúde (2024), incluem:
- – Ausência de amamentação: a falta de amamentação pode comprometer a saúde e o desenvolvimento do bebê.
- – Omissão ou recusa do pai biológico ou parceiro em assumir a responsabilidade da paternidade: isso pode levar a uma falta de apoio e recursos para a mãe e a criança.
- – Possibilidade de rejeição pela família ou expulsão do convívio familiar: a exclusão pode agravar as dificuldades enfrentadas pela adolescente e seu filho.
- – Vulnerabilidade social e econômica: situações como pobreza, migração, situação de rua e falta de suporte familiar podem aumentar os desafios para a mãe e o bebê.
- – Interrupção da educação: o abandono ou exclusão escolar pode dificultar a inserção da adolescente no mercado de trabalho e limitar suas oportunidades futuras.
A prevenção da gravidez na adolescência depende de uma educação sexual abrangente e integrada, que promova comportamento sexual responsável, igualdade de gênero e proteção contra gravidez não planejada e ISTs. Organizações como a OMS e o UNFPA defendem que essas iniciativas sejam baseadas em direitos humanos e sejam imparciais. A colaboração entre família, escola, sociedade e instituições públicas e privadas é crucial para o desenvolvimento integral dos jovens, com políticas públicas de saúde fundamentadas em dados e orientadas pelos princípios do SUS.
Entre os dias 02 e 08 de fevereiro, o Governo Federal realizou a “Semana Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência” com o tema “Tudo tem seu tempo: Adolescência primeiro, gravidez depois”. Instituída pela Lei nº 13.798/2019, a campanha visa disseminar informações preventivas e educativas para reduzir a incidência da gravidez na adolescência.
Você sabia que o Sus oferece contraceptivos para prevenção?
• Preservativo feminino
• Preservativo masculino
• Pílula do dia seguinte
• Pílula combinada
• DIU
• Diafragma
• Anticoncepcional injetável mensal
• Anticoncepcional injetável trimestral
• Minipílula Anticoncepcional.
Aqui em Rondon do Pará, os preservativos são oferecidos pelo Sistemas Único de Saúde (SUS), após avaliação do médico, as pacientes são encaminhadas para enfermeiras para o recebimento, e caso o DIU seja recomendado pelo médico, após o laudo são agendados no HM para atendimento. Para solicitar preservativo masculino, basta se apresentar nos postos de saúde do seu bairro.
Para evitar uma gravidez, é importante usar contraceptivos indicados pelo Ministério da saúde.
Para maiores informações procura o ACS do seu bairro ou o Hospital Municipal de Rondon do Pará.
Acesse abaixo o informativo sobre gravidez na adolescência do Ministério da Cidadania:
Fontes consultadas:
- BRASIL. Ministério da Saúde. Gravidez na adolescência: saiba os riscos para mães e bebês e os métodos contraceptivos disponíveis no SUS. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2023/fevereiro/gravidez-na-adolescencia-saiba-os-riscos-para-maes-e-bebes-e-os-metodos-contraceptivos-disponiveis-no-sus. Acesso em: 16 ago. 2024.
- Oliveira, E. B. de. (2021, 26 de outubro). O perfil das gestantes indígenas e as desigualdades no acesso à saúde. Nexo Jornal. Disponível em: https://www.nexojornal.com.br/grafico/2021/10/26/o-perfil-das-gestantes-indigenas-e-as-desigualdades-no-acesso-a-saude. Acesso em: 16 ago. 2024.
- Brasil. Ministério da Cidadania. (s.d.). Caderneta da Gestante: Programa Criança Feliz. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/Treinamento_Multiplicadores_Coordenadores/Caderneta-Gest-Internet(1).pdf. Acesso em: 16 ago. 2024.
- Castro, L. M. R., & Abramovay, M. (2006). Gravidez na adolescência: Um olhar sobre um fenômeno complexo. Universidade Católica de Brasília. Disponível em: https://www.redalyc.org/pdf/3054/305423775015.pdf. Acesso em: 16 ago. 2024.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Adolescência, compreendida entre 10 e 19 anos de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ministério da Saúde, 2024.
- BRASIL. Ministério da Saúde. Taxa de nascimentos de crianças filhas de mães entre 15 e 19 anos é 50% maior do que a média mundial. Ministério da Saúde, 2024.
- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2024). Tabela 2680 – Nascidos vivos, por ano de nascimento da criança, idade da mãe e situação do registro civil. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/Tabela/2680. Acesso em: 16 ago. 2024.
- Brasil. Ministério da Cidadania. (s.d.). Caderneta da Gestante. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/crianca_feliz/Treinamento_Multiplicadores_Coordenadores/Caderneta-Gest-Internet(1).pdf. Acesso em: 16 ago. 2024.
- Brasil. Ministério da Cidadania. (s.d.). Gravidez na adolescência: Informe final. Disponível em: https://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/informe/Informativo%20Gravidez%20adolesc%C3%AAncia%20final.pdf. Acesso em: 16 ago. 2024.