Financiado pela Lei Paulo Gustavo, o média-metragem acompanha a jornada de três mulheres, mostrando suas batalhas pessoais e coletivas por direitos e dignidade.
por Maria Eduarda Dias Neno
Rondon do Pará (PA) – Em um município, em que sua história e geografia estão inteiramente relacionadas ao processo de ocupação da Amazônia – e corrente expansão territorial – três mulheres pioneiras, que carregam diferentes bagagens de vida, registram suas vivências, lutas e conquistas na história de Rondon do Pará.
“A história em si é um comum, mesmo quando revela os modos como fomos divididos, pois é narrada por multiplicidade de vozes. A história é a nossa memória coletiva. O corpo expandido que nos conecta a uma amplitude de lutas que dão sentido e poder a nossa prática política”. O documentário inicia com uma citação de Silvia Frederici, que revela a necessidade de entender a condição da mulher e a sua luta na história.
“Mulheres que Lutam”, dirigida por Thais Alves Rabelo Valente – que assina a autoria do roteiro – apresenta a vida de três figuras marcantes da cidade:
Maria de Jesus, mulher negra, oriunda de Minas Gerais, que veio em 1972 para Rondon do Pará acompanhada do seu marido e filhos, criou e estudou a sua família sozinha no município, pois o seu marido a abandonou ao ir embora para Serra Pelada. Em um período onde ela poderia ter desistido, se manteve forte e encontrou forças para transformar a própria vida e a vida de sua família. “Nunca desanimei, sempre fui firme, determinada na luta e nunca deixei que as coisinhas que aparecessem me tirassem o estímulo de participar”, relembra Maria de Jesus.
Maria Joel, mais conhecida como Joelma, sindicalista e defensora de direitos humanos, nascida em Urbano Santos, no Maranhão, iniciou sua trajetória na igreja católica – comunidade eclesiástica de base – onde teve uma formação tanto cristã como humana, para entender como se dá o processo da vivência do homem e da mulher do campo. Por ser filha de agricultor, participou ativamente da agricultura familiar. “Vim do Maranhão, era importante para nós nos integrar na luta do povo”, afirma a sindicalista.
Rosa Peres, secretária de Cultura de Rondon do Pará, chegou na cidade com dois anos de idade, e acredita muito na força da arte. Lutou e tem lutado diariamente pela cultura, investindo em pessoas para ver o desenvolvimento da região. “Nós fizemos a primeira feira de artes, nós tínhamos um grande artesão, que era o Onésimo. Ele fez uma casa de madeira bem grande, nós colocamos essa casa em frente ao Lions e era um desafio porque éramos desafiados pelos políticos. Então, nós colocamos ‘Rondon também faz arte’, e foi impressionante. Veio jornalista de Marabá, Castanhal, Belém… Vinheram saber porque em Rondon do Pará tinha aqueles jovens fazendo um movimento tão forte. Mas hoje eu já não consigo fazer uma feira de artes como fizemos naquela época”, destaca Rosa.
Nessa média-metragem, Thais Rabelo faz a seguinte reflexão: “a condição da mulher somente se altera quando ela se coloca em movimento e luta pela condição de igualdade aos homens. As mudanças que alteram o lugar e o espaço da mulher se fortalecem a partir das reflexões sobre gênero, em que os direitos da mulher entra para o debate em função das organizações”, enfatiza.
O documentário, que possuiu incentivo financeiro da Lei Paulo Gustavo, aborda em aproximadamente 25 minutos, a temática feminista, sobre gênero, participação política da mulher e o patriarcado enraizado na população rondonense. Revela também o impacto profundo que essas mulheres tiveram na comunidade e como o trabalho de Rosa Peres, Maria Joel e Maria de Jesus vem transformado Rondon do Pará, gerando mais oportunidades e abrindo um espaço para que outras mulheres estabeleçam o seu legado de luta, resistência, conquistas e superação.
Dissertação do mestrado e documentário
Depois de defender sua dissertação de mestrado com o tema “Trajetórias de vida e política das lutas de mulheres do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Rondon do Pará”, Thais Alves Rabelo Valente é premiada no 62° Congresso da Sober como melhor dissertação de mestrado em Sociologia Rural, enxergando a necessidade de adaptar o seu trabalho e produzir um documentário mais aprofundado na jornada de mulheres rondonenses, que enfrentam diariamente desafios sociais e culturais.
A Profa. Drª Idelma Santiago, orientadora da Thais Rabelo pelo Programa de Pós-graduação em Dinâmicas territoriais e Sociedade na Amazônia, da Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará, não esteve vinculada diretamente com a produção do documentário, mas compreende a que a produção audiovisual pode complementar ou expandir o trabalho acadêmico da mestranda. “O formato do documentário coaduna com a divulgação científica na dimensão de sua popularização, pois trata-se de uma forma de representação de conhecimento numa linguagem não só muito atual, mas pelos seus usos possibilita a articulação de pesquisa e extensão. Os produtos gerados na pós-graduação, como os trabalhos de dissertação, podem ou mesmo devem – sempre que possível – ser traduzidos em formatos de comunicação que possam extrapolar o espaço dos especialistas acadêmicos.”
Na entrevista com Thaís Rabelo, diretora do curta-metragem, foi possível compreender mais detalhes sobre o desenvolvimento da produção. Leia a seguir na íntegra:
Maria Eduarda – O que te inspirou a transformar seu trabalho em um documentário?
Thaís Rabelo – De início foi quando eu vi o edital da Lei Paulo Gustavo. A ideia, o sonho, foi transformar o meu trabalho, a minha pesquisa, em um documentário para que mais pessoas tivessem acesso, pudessem ver, assistir, entender a luta das mulheres. Na minha dissertação de mestrado, eu trabalho com as mulheres camponesas. No meu documentário, eu tenho uma ideia, eu entrevisto uma mulher camponesa a Maria Joel, que é a atriz principal da minha dissertação de mestrado. Então, no meu documentário, eu trago essa inovação, essas outras duas mulheres que não estão na minha dissertação de mestrado, que é Rosa Perez e Maria de Jesus, que têm histórias de lutas e conquistas para contar, e mais a Dona Maria Joel, que já vai estar na minha dissertação de mestrado.
Maria Eduarda: Qual é a mensagem principal que você gostaria que o público levasse após assistir ao documentário?
Thaís Rabelo: A mensagem principal que eu gostaria que o público levasse após assistir esse documentário é o papel da mulher na sociedade, que é um papel importantíssimo, pois elas ajudam a construir, a mudar a sociedade, mas, em algumas situações, por uma questão patriarcal e machista, isso é invisibilizado.
Maria Eduarda: Quais foram os maiores desafios que você enfrentou durante a produção do documentário?
Thaís Rabelo: O maior desafio na produção foi articular com o conteúdo da minha dissertação de mestrado com o audiovisual, para que tudo ficasse articulado e redondo.
Maria Eduarda: Como você selecionou as mulheres que participaram do projeto?
Thaís Rabelo: Quando eu fiz a minha dissertação de mestrado, eu queria entender e contar a trajetória de vida das mulheres camponesas. E aí não caberia entrar a Rosa Pérez e a Maria de Jesus, porque ia fugir completamente do campo de pesquisa, ia ficar amplo o trabalho. Então, eu vi esse documentário como uma oportunidade de contar a história de Maria de Jesus, Rosa Pérez e Dona Joelma, três mulheres que têm um protagonismo e que rumam para um protagonismo político.
Maria Eduarda: Que temas você aborda no documentário e por quê?
Thaís Rabelo: Os temas que eu bordei no documentário foram feminismo, gênero, participação política da mulher, a questão do patriarcado, porque isso é muito forte, não só em Rondon do Pará, mas no mundo todo. A questão da luta feminista, que a gente vem tentando ocupar e mudar muitas questões, porque eu entendo que sem a mulher a “luta vai pela metade”. Então, entender essa questão, entender que ser feminista, que falar de gênero não é separar a mulher do homem e sim chamá-las para ir à luta. A mulher deseja ocupar um espaço só dela, mas ela pensa também que a luta é conjunta, ela é coletiva.
Maria Eduarda: Como você espera que seu trabalho contribua para a discussão sobre as mulheres na sociedade?
Thaís Rabelo: Espero que seja uma informação para despertar e inspirar outras mulheres. Não só espero, como acredito que a história dessas três mulheres sirva de inspiração para muitas outras mulheres, pois elas representam muitas mulheres do Brasil inteiro, de histórias que não são contadas, não são vistas, e são invisibilizadas por uma questão patriarcal.
Maria Eduarda:O que você aprendeu sobre si mesma durante esse processo?
Thaís Rabelo: Foram muitas coisas que eu aprendi sobre mim mesma. Falar de gênero, conhecer histórias e trajetórias de vida de outras mulheres é uma lição, um aprendizado de vida e, principalmente, crescimento. O que levo comigo, após produzir esse documentário é o entendimento de que cada mulher tem uma trajetória de vida, tem uma história, e que isso vai impactar na vida dela. As ações dessa mulher, que por outras pessoas não conhecerem a sua história, julgam e não procuram entender essa realidade. Então, hoje, como pesquisei e trabalhei com muitas mulheres, ouvi muitas histórias, procuro entender a trajetória de vida de cada pessoa, de cada mulher. Dessa maneira, a sociedade vai nos impondo padrões que às vezes vamos achando que precisamos nos policiar, se consertar, e muitas vezes a gente ignora a nossa trajetória de vida, o porquê de nós mesmos sermos assim. Então eu acho que a questão central, o recado central para todas as mulheres que eu dou hoje, é: conheça a trajetória de vida das pessoas.
Assista o documentário “Mulheres que Lutam” no YouTube através do canal Soul Sound.